TravelVince News #44
🧠 Lembrar e esquecer | To remember and to forget 😶🌫️
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Há alguns dias aconteceu algo inusitado. Cheguei na Cidade do Cabo e mandei uma mensagem para um ex-namorado sul-africano da minha época de Dubai. Fazia uns 15 anos que a gente não se via, mas como estava no país dele, achei legal mandar um alô. Ele mora em Dubai e nem é da Cidade do Cabo, mas de Pretória. De todos os modos, queria apenas fazer um aceno amigável.
Em menos de dois minutos ele respondeu dizendo que acabava de desembarcar na África do Sul para visitar a família e que em breve estaria na Cidade do Cabo. Não só isso, em algumas mensagens a mais, nos demos conta de que havíamos reservado apartamentos de Airbnb no mesmo bairro, na mesma rua, no mesmo edifício.
Quando nos vimos, foram 15 anos que desapareceram. Colocamos toda a conversa em dia, mais ele do que eu. Sou ótimo para escutar e mais parcimonioso ao falar. O que me impressionou foram todas as lacunas de memória que tive. Ele lembrava de assuntos, acontecimentos, pessoas e várias outras coisas que simplesmente foram apagadas do meu cérebro. Quando ele insistia dizendo “como é que você não se lembra?” eu fazia aquela cara de bunda, sabe?
Por um lado, já faz mais de 20 anos que vivi em Dubai. Foram tantas vidas desde então que acredito que o cérebro precisou jogar muita coisa no arquivo morto para dar conta de absorver as novas experiências. Claro que me lembrei de boa parte dos assuntos. Outros foram mais uma vaga sensação de familiaridade. Pensei nas outras centenas de coisas de que simplesmente já não vou mais me lembrar. Um hotel legal, um encontro, uma festa, um jantar, uma pessoa. Talvez por isso eu guarde chaves de hotel, entradas de museus, cartões de embarque e outros papeizinhos que vou catando ao longo das viagens. Tenho também uma lista com o nome dos filmes vistos e outras com os livros lidos. Pistas para o futuro.
Uma lembrança inesquecível, como o mesmo ex que encontrei na Cidade do Cabo, foi quando, por outra coincidência, fomos escalados para o mesmo voo de Dubai para Milão. Como era um voo novo com apenas duas frequências semanais, tivemos 5 noites na cidade. Eu tinha passagem para Nápoles, planos de explorar a Costa Amalfitana, tudo escondido da empresa, claro, que nos obrigava a ficar de sobreaviso no hotel todos os dias. Ele resolveu se arriscar e foi junto, apesar de estar namorando com um turco enciumado. As belezas de Amalfi e Positano foram mais fortes do que qualquer fidelidade. Na volta para Dubai eu estava jurado de morte pelo turco, como se a culpa fosse minha e não da Itália (ou do ex). Lembrei que meu medo de virar eunuco é que fez com que a gente ficasse 15 anos sem se falar.
Li em algum lugar que a falta de memória pode ser um certo espelhismo quando temos alguém com Alzheimer na família. Eu, que pego psicologicamente todas as doenças dos meus próximos, acredito que possa ser isso também. Vou me esquecendo junto com a minha mãe. Há quem diga que foi a covid. Ou essa forma louca em que levamos a vida hoje em dia, completamente cheia de interrupções e com vários assuntos em paralelo o tempo todo. Pelo menos não me esqueço de escrever essa carta uma vez por mês.
Quanto à Cidade do Cabo, é um dos lugares mais magníficos do planeta. Bem mais do que a Costa Amalfitana. Só que dessa vez ficamos mesmo no bom papo, eu e o ex. Saímos para jantar com os amigos dele, demos risada, aprendi a gostar de chenin blanc. Bebi uma taça. Duas talvez? Pelo menos até onde me lembro.
🇬🇧 A few days ago, something unusual happened. I arrived in Cape Town and sent a message to a South African ex-boyfriend from my time in Dubai. We hadn’t seen each other in about 15 years, but since I was in his country, I thought it would be nice to say hello. He lives in Dubai and isn’t even from Cape Town, but from Pretoria. Either way, I just wanted to make a friendly gesture.
In less than two minutes, he replied, saying he had just landed in South Africa to visit his family and that he would soon be in Cape Town. Not only that, but in a few more messages, we realized we had booked Airbnb apartments in the same neighborhood, on the same street, in the same building.
When we met, the 15 years vanished. We caught up on everything — more him than me, of course. I’m great at listening and more sparing when it comes to speaking. What impressed me were all the gaps in my memory. He remembered events, people, and countless other things that had simply been erased from my brain. When he insisted, saying, “How do you not remember?” I would make that clueless face, you know?
On one hand, it’s been over 20 years since I lived in Dubai. So many incarnations have passed since then that I believe my brain had to move a lot of things to the “archive” to make room for new experiences. Of course, I remembered most of the topics; others remained only with a vague sense of familiarity. I thought of the hundreds of things I simply will no longer remember: a nice hotel, a meeting, a party, a dinner, a person. Maybe that’s why I keep hotel keys, museum tickets, boarding passes, and other little papers I collect during my travels. I also keep lists of movies I’ve seen and books I’ve read. Creating clues for the future.
An unforgettable memory, like meeting the same ex in Cape Town, was another coincidence: we (the ex and I) were assigned to the same flight from Dubai to Milan. Since it was a new flight with only two weekly departures, we had five nights in the city. I had a ticket to Naples and plans to explore the Amalfi Coast — all hidden away from the company, of course, which required us to be on call at the hotel every day. He decided to take the risk and went along, even though he was dating a jealous Turkish man. The beauty of Amalfi and Positano was stronger than any fidelity. On the way back to Dubai, I was cursed by the Turkish boyfriend, as if it were my fault and not Italy’s (or the ex’s). I remembered that my fear of being castrated is what made us go 15 years without speaking.
I read somewhere that memory loss can be a kind of mirroring when someone in the family has Alzheimer’s. I, who psychologically catch all the illnesses of my loved ones, believe this may be true for me as well. I gradually forget along with my mother. Some say it was covid, or maybe the crazy way we live today — constantly interrupted and juggling multiple things at once. At least I don’t forget to write this letter once a month.
As for Cape Town, it’s one of the most magnificent places on the planet. Far more than the Amalfi Coast. But this time, it was all about good conversation between me and the ex. We went out to dinner with his friends, laughed a lot, and I learned to enjoy Chenin Blanc. I had one glass. Maybe two? At least as far as I can remember.














Vi, como é bom ler sobre suas viagens e aventuras. Também tenho falhas na memória, prefiro acreditar que é por tantas vidas em uma vida. Espero te rever logo.
Que delicia de coincidência!! E nesse lugar… mais bonito que a Costa Amalfitana??!!!!! Quero muito conhecer!