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Minha curiosidade com povos, idiomas e História me levou até o Timor-Leste. Queria poder conversar em português num dos países mais distantes do Brasil. Para chegar em Díli, a capital, tem que voar de Bali (2h) ou de Darwin, no norte da Austrália (1h20). Como estaria por aqueles lados resolvi dar um alô alô para o país mais novo da Ásia e ver “qualé”.
Descobri que além do português, há outro idioma oficial chamado de tétum e mais de 30 línguas locais não oficiais. Isso num país de um milhão de habitantes, menor que o Sergipe. Tamanha confusão. Mas a língua-franca acaba sendo o bahasa (indonésio) e a moeda oficial é o dólar americano.
Sabia que o Timor-Leste existia meio “en passant” através de uma manchete ou outra de quando houve o referendo de independência da Indonésia em 1999 e todo o rebú subsequente, até, finalmente declararem-se um país, em 2002. Assisti também ao documentário Sérgio na Netflix sobre vida do diplomata brasileiro que trabalhou lá antes de ir para Bagdá.
O Timor-Leste é mais do que fatos e fotos. Passou a figurar nos mapas junto com o Brasil na Era dos Descobrimentos. Ávidos navegadores portugueses que buscavam noz-moscada, cravo e pimenta encontraram essa ilha rica em sândalo, uma madeira cheirosa, e tomaram a ilha para eles, como se ali não existisse uma gente que comerciava há anos com mercadores árabes e chineses. É o copy-paste do que fizeram na América num lugar com pau-brasil. Quando já não havia mais sândalo em Timor, passaram a cultivar cana de açúcar e café enquanto frades catequizavam a população local. Copy-paste.
Ali perto acontecia outro copy-paste, mas pelos holandeses, que foram tomando conta da Indonésia. Como o mundo é muito pequeno e quase não há ilhas e territórios para dividir entre tantos europeus, portugueses e holandeses a dividiram em Timor holandês e Timor português, como se fazia com Guianas e Guinés naquela época.
Os movimentos de descolonização foram tardios por aqueles lados. Se as Américas estavam quase todas independentes no final do século 19, a África e a Ásia só se tornaram dezenas de novos países depois da Segunda Guerra. O que fazia parte da Holanda virou Indonésia em 1945. Portugal seguiu no lado leste da ilha até se cansar em 1975. Como foi a esquerda local a manifestar-se neste vácuo, os milicos indonésios, com uma ajudinha da CIA, invadiram, acabaram com a festa começaram um lento processo de genocídio e assimilação.
Só que sangue de Jesus tem poder. Os timorenses haviam forjado uma identidade nacional, eram majoritariamente católicos e Portugal até que tentou organizar as coisas antes de partir criando partidos políticos. Essa ideia de nação manteve acesa a luta armada e a pressão dipolmática até a Indonésia concordar com um referendo de auto-determinação em 1999. Sob a mira de rifles e ameaça de tortura, 78% da população votou a favor.
Agora, imagine milicos humilhados. O exército indonésio, junto com as milícias locais, foram embora queimando e destruindo tudo antes de fecharem a porta dos fundos e jogarem a chave fora. Diz que só sobraram algumas estradas. A reconstrução de tudo começou em 2002. Ontem. Por isso ainda falta muito para o Timor-Leste ficar bonitinho. A maioria dos ocidentais que encontrei estão ali em missão humanitária, projetos de saúde, educação e infraestrutura. Um ou outro turista curioso aparece de vez em quando.
Nas lotações e lugares com muita gente, percebi muita gente usando máscaras faciais. Achava que era por causa da covid, mas no hotel me disseram que há altos níveis de tuberculose. Surtei. A orla de Díli é uma baía grande, mas o azul da praia é mais das garrafas plásticas do que da água do mar. Subi no Cristo Rei, visitei o Museu da Resistência, tirei foto com a bandeira, comprei selos na agência central dos Correios (eu era o único cliente), caminhei horas e horas, peguei lotação para o lado errado e me encharquei num dilúvio tropical que caiu de repente. Por sorte não peguei tuberculose.
Minha maior surpresa foi visitar a biblioteca Xanana Gusmão, que estava fechada para reforma. Na entrada havia um grupo de estudantes em mesas e cadeiras de plástico que, ao perceberem que eu vinha do Brasil, perguntaram se eu teria tempo para falar com eles. Tempo era o que eu mais tinha. Sentei-me e fui bombardeado de perguntas, em bom e claro português, sobre o Brasil (fui generoso), sobre gramática (fui preciso) e sobre minhas crenças religiosas (fui esquivo). Deixei meu número de WhatsApp no caso de novas dúvidas ou se vierem ao Brasil. Um deles era pastor e me abençoou. Já podia voltar para casa. Minha missão no Timor-Leste estava cumprida. Feliz Páscoa.
🇬🇧 My curiosity about people, languages and History took me to Timor-Leste. I wanted to be able to listen and talk in Portuguese as far away from Brazil as possible. To get to Dili, the capital, one has to fly from Bali (2h) or Darwin, in northern Australia (1h20). As I was around, I decided to say hello to the newest country in Asia and check it out.
I discovered that in addition to Portuguese, there is another official language called Tetum and more than 30 unofficial local languages. This in a country of a million people, smaller than Connecticut. What a mess. But the lingua franca is Bahasa (Indonesian) and the official currency is the American dollar.
I knew that Timor-Leste existed somewhat “en passant” through one headline or another when there was the Indonesian independence referendum in 1999 and all the subsequent mayhem until they finally declared themselves a country in 2002. I also watched the Netflix's documentary Sergio about the life of the Brazilian diplomat who worked there before going to Baghdad.
Timor-Leste is more than facts and photos. It began showing up on maps along with Brazil in the Age of Discoveries. Avid Portuguese navigators looking for nutmeg, cloves and pepper found this island rich in sandalwood, a fragrant wood, and took the island for themselves, as if there weren't people there who had been trading for years with Arab and Chinese merchants. It's a copy-paste of what they did in America in a land rich in Paubrasilia, or brazilwood. When there was no more sandalwood in Timor, they began cultivating sugar cane and coffee while friars catechized the local population. Copy-paste.
Another copy-paste was happening nearby, by the Dutch, who were taking over Indonesia. As the world is a very small place and there is a shortage of islands and territories to divide between so many Europeans, the Portuguese and Dutch divided it into Dutch Timor and Portuguese Timor, as was done with the Guianas and Guineas at that time.
Decolonization movements were late on those shores. If the Americas were almost entirely independent by the end of the 19th century, Africa and Asia only became dozens of new countries after World War II. What was part of the Netherlands became Indonesia in 1945. Portugal remained on the eastern half until it got tired, in 1975. As the local left filled in the power vacuum, the Indonesian soldiers, with a little help from the CIA, invaded and ended the party in a slow process of genocide and assimilation.
But the blood of Jesus is powerful. The Timorese had forged a national identity, they were mostly Catholic and Portugal even tried to organize things before leaving by creating political parties. This idea of a nation kept the armed struggle and diplomatic pressure alive until Indonesia agreed to a self-determination referendum in 1999. At gunpoint and with the threat of torture, 78% of the population voted in favor.
Now, imagine a humiliated army. The Indonesians, along with their local militias, left, burning and destroying everything before closing the back door and throwing the key away. Only a few roads were left. The reconstruction of everything began in 2002. Yesterday. This is why there's still a long way to go before Timor-Leste gets a good facelift. Most Westerners I met are on humanitarian missions, health, education or infrastructure projects. With an occasional curious tourist from time to time.
In transport vans and crowded areas I noticed lots of people wearing face masks. I thought it was because of Covid, but at the hotel they told me about the high levels of tuberculosis. I freaked out. The shore of Dili is a large bay, but the blue on the beach is more from plastic bottles than from the sea. I went up to Cristo Rei, visited the Resistance Museum, took a photo with the flag, bought stamps at the central post office (I was the only customer), walked for hours and hours, climbed into vans going the wrong way and got drenched in a sudden tropical deluge. Luckily I didn't catch tuberculosis.
My biggest surprise was visiting the Xanana Gusmão library, which was closed for renovation. At the entrance there was a group of students on plastic tables and chairs who, upon realizing I was coming from Brazil, asked if I would have time to talk to them. I had plenty. I sat down and was bombarded with questions, in clear Portuguese, about Brazil (I was generous), about grammar (I was precise) and about my religious beliefs (I was elusive). I left my WhatsApp number for them to reach if they had more questions or showed up in Brazil. One of them was a pastor who blessed me. I could fly back home then. My mission in Timor-Leste was accomplished. Happy Easter.
ps: for a 4-minute The Guardian video about Timor-Leste's history, click here.
Muito interessante o Timor. Mas é triste ver a luta para construírem um novo lar