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🇧🇷 Passei a adolescência sofrendo escondido, torcendo para que meus gestos e olhares não me entregassem. Tinha a certeza de que a vida seria muito melhor numa cidade grande, longe, onde ninguém soubesse quem eu era. Com dezenove anos consegui sair de casa. O temor paterno de que virasse um jornalista comunista – estudava Comuniação Social na UFPR – foi maior do que o de soltar o filho no mundo. Contudo, ao invés de trocar Curitiba por Nova York ou Paris, me enfiei num vilarejo de menos de 20 mil habitantes no interior da Suíça para estudar Hotelaria. Não era 100% o que eu queria, mas era o que deu certo fazer. Era longe e ninguém me conhecia.
Se chegasse incólume ao fim do curso, teria uma brilhante carreira em uma rede de hotéis. Iria viver no Cairo ou em Bora Bora e não precisaria voltar para o Brasil nunca mais. Muito menos para a casa dos meus pais e à tirania do armário. Um dia, quem sabe, eu até pudesse sair do armário. Mas naquela época me dava muito pavor pensar no assunto. Era melhor em esconder o meu segredo do que nas provas de gastronomia ou enologia. Jurava driblar o mundo. Me dedicava às aulas de arrumar mesas de restaurantes três estrelas, a descascar banana com garfo e faca e a diferenciar taças de Bordeaux das de Beaujolais. Escolhi ioga ao invés de basquete. #meenganaqueeugosto seria a hashtag da época.
A vida no vilarejo era interessante. Eu não podia acreditar que morava a menos de 6 horas de trem de Paris. Um dia viveria na França. O cenário era bastante bucólico, com fazendinhas, vacas, montanhas e dois supermercados que vendiam suas próprias marcas, o Migros e a Coop. Tudo com a mesma logo e com as embalagens recheadas de ordens em alemão, francês e italiano em fonte Helvética. Tinha um cinema com filmes dublados em francês e uma pequena livraria, onde eu comprava livros de bolso do Paul Auster e CDs da Madonna.
Dividia o quarto com um colega holandês. Descobri o quão jacú eu já no primeiro dia de aula. Vi a mala dele no canto do quarto antes de vê-lo. Olhei na etiqueta para saber o nome do cara com quem dividiria minha vida ali no dormitório e só cosegui ler Den Haag, na Holanda. Maravilha, pensei. Vou me deliciar com o tamanho do cara. Quando Rogier, um menino asiático entrou no quarto, falei que ali já tinha alguém, que ele deveria estar enganado. Foi quando ele se apresentou, falou que aquela mala era dele, que ele vinha de Netherlands. Seria essa Netherlands perto do Vietnã? Aprendi ali na hora que Holanda é Netherlands e que uma de suas colonias foi a Indonésia, país de origem dos ancestrais de meu room mate. #cancelavicente seria outra hashtag.
As regras na escola eram rigidíssimas. Horários eram cumpridos milimetricamente. Às dez da noite as luzes se apagavam. Homens e mulheres dormiam em áreas separadas e invioláveis. O diretor fazia vistoria em nossos armários atrás de drogas e camisas mal dobradas, isso no meio da madrugada, junto como seu golden retriever que soltava pelos por tudo. Um colega venezuelano foi expulso na segunda semana de aulas porque se recusou a cortar o cabelo curto, como no manual de estilo. Tive que aprender a fazer nós de gravata variados. Me barbeava todos os dias. Jantávamos às seis da tarde quando ainda era dia e vivíamos com fome.
Contudo, a certeza de que aquela escola nos lançaria alto em carreiras promissoras fazia tudo aquilo valer à pena. Lembrei dessas histórias agora pois estou arrumando a mala para meu segundo retiro de meditação Vipassana. Quando essa newsletter chegar já vou estar de olhos fechados e em silêncio no interior de São Paulo. Vou dividir o quarto com duas pessoas, vou comer no refeitório e meditar cerca de 8 horas por dia sem dar um pio. Ali há regras rígidas também. Nada de livros, cadernos, celulares, rezas. Masturbação e conversa são impossíveis. Devemos desviar de formigas e jogar para fora do quarto, vivas, as aranhas e outros insetos que se atreverem a entrar. Gosto do desafio, gosto da rigidez. Além de ser uma experiência fenomenal. A promessa de sair de lá com a mente tranquila e em paz com as nossas contradições e imperfeições é atraente. Há sempre fila de espera para esses retiros.
Medo tenho sim. Medo de ficar louco, de desistir no meio, dos sonhos vívidos que brotam na madrugada, ou de não querer mais voltar a falar depois dos dez dias. Então fique de olho na próxima newsletter no meio de maio. Se não chegar, é porque atingi nirvana.
ps: escrevi sobre minha experiência anterior de Vipassana, em 2019, aqui.
🇬🇧 I spent my teenage years suffering in hiding, hoping that my gestures and looks wouldn't give me away. I was sure that life would be much better in a big city, far away, where no one knew who I was. At nineteen I managed to leave home. My father's fear that I would become a communist journalist – I was studying Communication – was greater than that of releasing his son into the world. However, instead of exchanging Curitiba for New York or Paris, I went to a village of less than 20.000 inhabitants in the Swiss countryside to study Hospitality. It wasn't 100% what I wanted, but it was the right thing to do. It was far away and no one knew me.
If I reached the end of the course unscathed, I would have a brilliant career in a hotel chain. I would live in Cairo or Bora Bora and never have to return to Brazil again. Much less to my parents' house and the tyranny of the closet. One day, who knows, I might even come out of the closet. But at that time I was terrified to even think about it. I was better at hiding my secret than at tastings of gastronomy or oenology. I devoted myself to classes on setting tables in three-star restaurants, peeling bananas with a knife and fork, and differentiating Bordeaux glasses from Beaujolais glasses. I chose yoga over basketball.
Village life was interesting. I couldn't believe I lived less than six hours by train from Paris. One day I would live in France. The setting was quite bucolic, with small farms, cows, mountains and two supermarkets that sold their own brands, Migros and Coop. All with the same logo and packaging filled with orders in German, French and Italian in Helvetica font. There was a movie theater with movies dubbed in French and a small bookstore where I bought Paul Auster paperbacks and Madonna CDs.
I shared a room with a Dutch colleague. I found out how uninformed I was on the first day of class. I saw his suitcase before I saw him. I looked at the tag to find the name of the guy I would share my life with in the dorm and I could only read Den Haag, in Holland. Wonderful, I thought. I'll be delighted with the size of the guy. When Rogier, an Asian boy, entered the room, I said that there was already someone there, that he must be mistaken. That's when he introduced himself, said that that suitcase was his, that he came from the Netherlands. Could this be the Netherlands near Vietnam? I learned right there that Holland is Netherlands and that one of its colonies was Indonesia, the country of origin of my roommate's ancestors.
The rules at school were very rigid. Timetables were strictly adhered to. At ten o'clock the lights went out. Men and women slept in separate, inviolable areas. The director would search our lockers for drugs and badly folded shirts in the middle of the night, along with his golden retriever who shed hair all over our wardrobes. A fellow Venezuelan was expelled in the second week of classes because he refused to cut his hair short, as in the style manual. I had to learn how to tie different tie knots. I shaved every day. We had dinner at six in the afternoon when it was still daylight and we were always hungry.
However, the certainty that the school would launch us high into promising careers made it all worth it. I remember these stories now as I am packing for my second Vipassana meditation retreat. I'm going to spend ten days in silence in the countryside of São Paulo, sharing a room with two people, eating in the cafeteria and meditating for about 8 hours a day without a single peep. There are strict rules there too. No books, notebooks, cell phones, prayers. Masturbation and conversation are impossible. We must dodge ants and throw out of the room, alive, the spiders and other insects that dare to get in. I like the challenge, I like the rigidity. As well as being a phenomenal experience. The promise of leaving there with a clear mind and at peace with our contradictions and imperfections is appealing. There is always a waitlist for these retreats.
I'm afraid, for sure. Afraid of going crazy, of giving up in the middle, of the vivid dreams that spring up at dawn, or of not wanting to talk again after ten days. So keep an eye out for the next newsletter in mid-May. If it doesn’t show up in your inbox, it's because I've reached Nirvana.
Top, as usual😘
A vida sempre nos ensinando a superação.
Parabéns
Abraço