For English, please scroll down to 🇬🇧. Thanks!
Desde pequeno, olho para o horizonte cheio de curiosidade. O que há além daquele morro ou do lado de lá do oceano? Seguia as linhas nos atlas, os dedos percorrendo trajetos imaginários, até me dar conta de que tais linhas começavam na porta de casa. Pouco a pouco, fui tecendo um emaranhado de rotas, costurando viagens inspiradas em livros, histórias e acasos. O último ponto-cruz dei em Casablanca, onde um avião da Royal Air Maroc me largou no começo de maio de 2025. Tracei um percurso por terra e mar até chegar ao centro de Portugal.
Entre Casablanca, Rabat, Tânger, Ceuta, Gibraltar, Sevilha e Lisboa, usei táxis, barcos e ônibus — uma mini-odisseia entre África e Europa, sobre a qual prometo contar com mais detalhes na nossa próxima correspondência. Até porque parece que faz um ano que tudo aquilo aconteceu. Hoje fico com o fresco, que ainda não se esfumaçou na minha timeline mental: a caminhada de 300 km que fiz por Portugal.
Em Lisboa, vesti as botas, joguei a mochila nas costas e saí caminhando rumo ao norte, num trajeto em que Portugal me expôs seus detalhes mais miúdos. Vilarejos, pastelarias familiares, pracinhas de igreja, maneirismos linguísticos, cafetarias com Benfica e Sporting numa partida eterna na TV. Passei por Estoril, Sintra, Ericeira, Óbidos e Nazaré — e por lugares nunca dantes navegados, como Peniche, Alcobaça, Batalha, Aljubarrota, além de quilômetros e mais quilômetros de praias deslumbrantes preenchendo a rota. Portugal em simbiose com o Atlântico. Eu, em simbiose com a rota.
Impossível caminhar pela cultura portuguesa sem compará-la à nossa. A familiaridade do idioma é, de cara, o primeiro ponto — mesmo quando as palavras usadas são outras e as vogais engolidas. A paragem do ônibus, as beatas dos cigarros, as ementas dos restaurantes com seus sandes, pregos e bitoques, o rés do chão, “premir” botões. Lembrava do Latim em Pó, do Caetano Galindo, livro que não canso de recomendar.
A familiaridade vem também com as ruas, calçadas, telhados, janelas e gradis, tão iguais aos de qualquer cidade brasileira — incluindo as placas de “cão bravo”. Os tais cães também ficam pulando e latindo, enlouquecidos, com a mera aproximação de um caminhante. Latem em português, é claro.
Presentes nas cidades pequeninas e transbordantes nos lugares mais turísticos, estão os brasileiros. Isso aqui é um concentrado de Brasil, onde se escutam sotaques de norte a sul da ex-colônia, com brasileiros de todas as cores e sabores. Cerca de 400 mil vivem aqui legalmente, e 1,2 milhão visitam a cada ano. Fora o fato de que gostamos de aparecer, né?
Terminei a caminhada em Fátima para ter um destino metafísico, um lugar de aparições, devoção e peregrinação. Só que o aprendizado, quem dá é sempre o caminho. Cada dia há uma nova questão que aparece do nada — entre um desvio e uma trilha, um erro de rota e uma boa pedida para o almoço. Teria levado menos bagagem. Poderia ter me livrado do extra. Poderia isso, aquilo… mas foi o que foi — e viajar comigo sempre é bom. Mas bom também foi retornar para Lisboa: uma curta viagem de ônibus de 1h30 para cobrir o que fiz em duas semanas a pé.
A propósito, a palavra vagamundo do título aprendi com o escritor português Ferreira de Castro, que me foi apresentado em um livro por Drauzio Varella, e cujo museu apareceu do nada na minha frente em Sintra. Assim como eu, adorava viajar e contar sobre os lugares por onde passava, numa época em que as únicas mídias eram livros e jornais. Acredito que sejam ideais, pois, quando o assunto é viajar, nada melhor do que fomentarmos a imaginação de quem lê.
Ao longo destes 300 km, tudo foi novidade. Não busquei vídeos, youtubers, tiktokers, influencers, dicas online que me antecipassem o prazer de ver os lugares com olhos de surpresa e admiração. Levei comigo apenas um livro da história de Portugal, pois sigo intrigado com o fato de um país tão pequeno ter conquistado lugares tão exóticos e distantes. Com esta e outras questões em mente, me despeço por hoje. Até o fim de junho (com a história da travessia do estreito de Gibraltar).
🇬🇧 Since I was a child, I’ve looked at the horizon full of curiosity. What lies beyond that hill or on the other side of the ocean? I used to follow the lines on atlases, my fingers tracing imaginary routes, until I realized those lines started right at my doorstep. Little by little, I began weaving a tangle of routes, stitching together trips inspired by books, stories, and serendipity. The last stitch I made was in Casablanca, where a Royal Air Maroc plane dropped me off in early May 2025. From there, I mapped a journey by land and sea that led me to the heart of Portugal.
Between Casablanca, Rabat, Tangier, Ceuta, Gibraltar, Seville, and Lisbon, I used taxis, boats, and buses — a mini-odyssey between Africa and Europe, which I promise to tell you more about in our next correspondence. Mostly because it already feels like a year ago. Today, I’ll stick with what’s still fresh in my mental timeline: the 300 km walk I did through Portugal.
In Lisbon, I put on my boots, threw my backpack over my shoulders, and began walking north, on a route where Portugal revealed its most subtle details. Small villages, family-run pastry shops, church squares, linguistic quirks, cafés playing an eternal match between Benfica and Sporting on TV. I passed through Estoril, Sintra, Ericeira, Óbidos, and Nazaré — and through places never before explored, like Peniche, Alcobaça, Batalha, Aljubarrota, not to mention mile after mile of stunning beaches along the way. Portugal in symbiosis with the Atlantic. I, in symbiosis with the route.
It’s impossible to walk through Portuguese culture without comparing it to ours in Brazil. The familiarity of the language is, of course, the first thing — even when different words are used and vowels get swallowed. The paragem for the bus, the beatas for cigarette butts, restaurant ementas with their sandes, prego and bitoque, the rés-do-chão, “premir” buttons.
The familiarity also comes through in the streets, sidewalks, rooftops, windows, and railings, so similar to those in any Brazilian city — including the “Beware of the Dog” signs. The dogs themselves also bark and jump around like mad at the mere approach of a passerby. They bark in Portuguese, of course.
Everywhere — from tiny towns to tourist hotspots — there are Brazilians. This place is a concentrate of Brazil, where you hear accents from north to south of the former colony, with Brazilians of all colors and flavors. Around 400,000 live here legally, and 1.2 million visit each year. Not to mention, we do love to stand out, right?
I ended the walk in Fátima, choosing a metaphysical destination — a place of apparitions, devotion, and pilgrimage. But the lessons always come from the path itself. Each day a new question pops up out of nowhere — between a detour and a trail, a wrong turn and a good lunch spot. I would’ve packed less. I could’ve ditched the extras. Could’ve this, could’ve that… but it was what it was — and traveling with myself is always a good thing. But returning to Lisbon was also good: a short 1.5-hour bus ride to cover what had taken me two weeks to walk.
Over these 300 km, everything was new. I didn’t look up videos, YouTubers, TikTokers, influencers, or online tips that might have spoiled the pleasure of seeing places with fresh eyes and wonder. I only brought one book about the history of Portugal, as I’m still intrigued by how such a small country managed to conquer such exotic and distant lands. With this and other questions in mind, I sign off for now. See you at the end of June (with the story of the crossing of the Strait of Gibraltar).🤞🏽


Adoro quando abro meus e-mails e vejo que vem um seu, sempre muito gostoso ler seus textos! Eu também sou viajante solo e me incomoda muito quando vou pesquisar antes que eu chego no lugar e é algo como se eu já tivesse visto… Que bom que você foi só com um livro na mão.
Sensacional!