For English, please scroll down to 🇬🇧. Thanks!

Desembarquei no pequeno terminal de Tefé, no coração da Amazônia, abaixo de cortinas de chuva tropical que, em poucos segundos, transformaram a pista do aeroporto em mais um afluente do rio Amazonas. No táxi até o porto, quase nos transformamos em canoa, de tanta água que escorria por ladeiras e barrancos. Por sorte, a lancha da pousada tinha toldo firme e minha mochila era impermeável. Depois de cinco horas entre Curitiba e Manaus, mais uma até Tefé e outra hora na lancha, a Pousada Uacari me abraçou, e comemorei as boas-vindas com suco de taperebá e bolinho de jambu.
A reserva Mamirauá, maior que o Líbano ou o Catar, com um milhão de hectares de mata preservada, fica escondida entre o rio Amazonas — que por ali ainda é oficialmente chamado de Solimões — e o Japurá. É um dos locais de maior biodiversidade do planeta e um exemplo de sucesso de desenvolvimento sustentável nesta imensidão que é o Brasil. A pousada flutuante Uacari ajuda na geração de renda para as comunidades locais e recebe curiosos por natureza.
A grande atração é a Natureza (essa com letra maiúscula), que surpreende, acolhe, assusta e ensina. Dupliquei meu vocabulário com os nomes dos peixes, pássaros, árvores e frutas que conheci: pirarucu, tambaqui, tucunaré, araracanga, uirapuru, uacari, bacuri, bacurau, apuí, samaúma, cumaru — todas presentes nos dicionários da língua portuguesa (ou melhor, brasileira). Dei-me conta da variedade de povos e línguas que habitam a região. São tantas lendas, conhecimentos e tanta diversidade que deixamos em segundo plano. Uma miríade de possibilidades de Brasil. Já pensou se fôssemos bilíngues em português e nheengatu?



Além dos guias da pousada — gente que avista bicho-preguiça ou tucano com uma facilidade surpreendente — estive com as histórias e causos do Dr. Drauzio Varella, que lançou um livro sobre o Rio Negro na mesma semana. Eu, que já gosto de aprender, fiquei com vontade de seguir explorando adiante. Em vez de voltar para Manaus, poderia pegar um barco até Tabatinga, na fronteira com o Peru. Ou subir para a terra Yanomami e visitar o Yaripo, a 3 mil metros de altitude. Para os não versados, Yaripo é o Pico da Neblina — ou Montanha do Vento, morada dos espíritos, o ponto mais alto do Brasil.
No entanto, me satisfiz (e muito) com os passeios de canoa sob a copa das árvores alagadas, em busca de onça. Do pôr do sol com açaí e tucumã na lagoa Uareré. Das garças desfilando em frente ao quarto da pousada, desviando dos jacarés. De dormir acima dos pirarucus barulhentos e acordar com o grito dos bugios, que eu confundia com turbinas de avião. De esperar o sol nascer em meio a botos-cor-de-rosa enlouquecidos ao redor do barco. De me sentir tão pequeno e, ao mesmo tempo, tão parte de tudo aquilo. Não fui mordido nem envenenado. Não peguei dengue, cólera nem febre amarela. Voltei com algumas picadas de maruins — pernilongos insistentes de tamanho amazônico — e totalmente contaminado pelo desejo de que tudo aquilo siga existindo, apesar de tudo.
O que li antes da viagem
O sentido das águas - Drauzio Varela
O país da canela - William Ospina
Maria Altamira - Maria José Silveira
Banzeiro Òkòtó - Eliane Brum
Terrapreta - Rita Carelli
Admirável mundo novo, a ocupação humana nas Américas - Bernardo Esteves
Dicionário dos apaixonados pelo Brasil - Gilles Lapouge
Fitzcarraldo - Werner Herzog
Cousteau na Amazônia (esse de quando era pequeno e ainda guardo o livro)
Sob os tempos do Equinócio - Eduardo Góes Neves (esse é meio científico demais)
O que escutei antes da viagem
Rádio Escafandro - ep. 107 - Dr Oscar e o menino que precisava enxergar
Rádio Novelo apresenta - ep. 117 - A gruta e aquela que veio depois
Pelo Avesso - série Ressurgências
Três restaurantes ótimos em Manaus
Banzeiro
Caxiri
Moquém do Banzeiro


🇬🇧 I landed at the small terminal in Tefé, in the heart of the jungle, under curtains of tropical rain that, in a matter of seconds, turned the airport runway into yet another tributary of the Amazon River. On the taxi ride to the port, we nearly became a canoe, so much water was rushing down slopes and embankments. Luckily, the lodge’s boat had a sturdy canopy and my backpack was waterproof. After five hours between Curitiba and Manaus, one more hour to Tefé, and another on the boat, the Uacari Jungle Lodge welcomed me with open arms, and I celebrated my arrival with tapereba juice and jambu fritters.
The Mamirauá Reserve — larger than Lebanon or Qatar, with a million hectares of preserved rainforest — is tucked between the Amazon River (which is still officially called the Solimões in that region) and the Japurá. It’s one of the most biodiverse places on Earth and a successful example of sustainable development in this vast land called Brazil. The floating Uacari Lodge helps generate income for local communities and welcomes those who are curious by nature.
The main attraction is Nature (with a capital “N”), which surprises, embraces, frightens, and teaches. I doubled my vocabulary with the names of fish, birds, trees, and fruits I got to know: pirarucu, tambaqui, tucunare, araracanga, uirapuru, uacari, bacuri, bacurau, apui, samauma, cumaru — all found in Portuguese (or rather, Brazilian) dictionaries. I realized the variety of peoples and languages that inhabit the region. So many legends, so much knowledge, and such diversity that Brazilians often forget or ignore. A myriad of possible Brazils. Just imagine if we were bilingual in Portuguese and Nheengatu?



In addition to the lodge guides — people who spot sloths and toucans with surprising ease — I was also in the company of the stories and tales of Dr. Drauzio Varella, the famous doctor, who released a book about the Rio Negro that very week. I, who already love learning, felt the urge to keep exploring. Instead of going back to Manaus, I could take a boat to Tabatinga, on the border with Peru. Or head north to Yanomami land and visit Yaripo, at 3,000 meters above sea level. For those unfamiliar, Yaripo is the Pico da Neblina — or “Mountain of the Wind,” home of the spirits and Brazil's highest point.
However, I was more than satisfied with canoe rides under the canopy of flooded trees in search of jaguars. With sunsets paired with açaí and tucuma at Uareré Lagoon. With egrets parading in front of my lodge room, dodging caimans. With sleeping above noisy pirarucus and waking to the sounds of howler monkeys, which I mistook for airplane turbines. With waiting for the sunrise amid pink river dolphins gone mad around the boat. With feeling so small and, at the same time, so much a part of it all. I wasn’t bitten or poisoned. I didn’t catch dengue, cholera, or yellow fever. I returned with a few bites from maruins — insistent, Amazon-sized mosquitoes — and completely infected with the desire for all of it to continue existing, despite everything.
eu tava ansiosa por este texto! ♥️
Que sonho! Um dia eu chego lá 🤍