Story: Um domingo qualquer nas Ilhas Faroe
✈️ Idas e vindas em um pedaço de pedra no meio do Atlântico 🇫🇴
Estou no quarto 313 do Hotel Hafnia, no centro de Tórshavn, a pequena capital das Ilhas Faroe, depois de um longo dia tentando embarcar de volta para a Dinamarca. O avião vindo de Copenhagen sobrevoou o arquipélago por 45 minutos, esperando uma brecha no denso nevoeiro, mas acabou retornando ao continente. Pelo alto-falante do aeroporto, fomos informados de que deveríamos retirar a bagagem. Má notícia. Achei que a SAS poderia mandar o avião tentar pousar novamente em poucas horas. Nope. Nada. Resolvi aceitar tudo com calma, lembrando a sábia frase da minha mãe, Lady Lia: “coisas assim só acontecem com quem viaja”. Verdade.
Por sorte, quase todos os passageiros do voo eram suíços que vieram torcer para a seleção no jogo contra as Ilhas Faroe, que, coitados, sempre perdem. Formamos um semicírculo organizado para ouvir as notícias da funcionária da empresa aérea. Boas e más notícias se alternavam em faroês (sim, havia faroenses no voo e eles têm uma língua própria) e em inglês, prontamente traduzidas para os quatro idiomas oficiais da Suíça. Havia um voo local para Copenhagen às 14h (eram 11h), mas estava lotado. Outro voo local para Copenhagen sairia às 20h30, mas precisaríamos esperar para ver quem a SAS escolheria para remarcar nesse voo. O restante viajaria apenas amanhã. Enquanto isso, todos podíamos almoçar no restaurante do Hotel Vágar, estrategicamente posicionado na cabeceira da pista. O caminho do terminal até lá era de terra batida, que com toda a chuva e vento, virou barro rapidamente. Tive que carregar minha Samsonite azul com adesivos do Snoopy no ombro, à la CrossFit (22 quilos, quase um WOD).
O hotel era simples, e dois funcionários apressaram-se para preparar o bufê, vendo a maré de gente vindo do aeroporto. Em pouco tempo, o restaurante virou um refeitório universitário, e eu dividi a mesa com três suíços interessantes: uma aeromoça, um capitão e um copiloto. Eles voariam para Zurique com o jatinho estacionado no aeroporto. Usei meu charme linguístico com frases em Schwizerdütsch e toda minha familiaridade com a Suíça e o futebol (joguei 6 minutos de futebol na vida há três dias) para ver se me convidavam para ir embora com eles no jatinho. De Zurique, eu arrumaria um voo para Estocolmo, meu destino final. Não deu em nada porque os suíços não são cariocas e estavam levando os VIPs que vieram ver a partida, que terminou em 2 a 0 para a Suíça, graças a Deus (senão os outros 190 suíços do meu voo estariam de schlechte Laune).
Abandonado pelos VIPs e almoçado (sopa de gnocchi com mini-almondegas de carneiro), peguei o Snoopy, coloquei no ombro e voltei para o terminal. Agora estava garoando, e cheguei ao guichê da Atlantic Airways com cara de susto. Meu élan e autoconfiança para seduzir o funcionário a me remarcar no voo das 20h40 desapareceram. Mas nem precisou, pois ele informou que o voo agora estava lotado e a SAS já havia me colocado no voo de amanhã. Ok. Agora era só ver para qual hotel eu iria e pegar um táxi (detalhe: o aeroporto fica a 45 minutos de Tórshavn).
Descobri as Ilhas Faroe no Instagram. Eu sabia que esse país existia. De certo modo, elas fazem parte da Dinamarca, mas se dizem independentes, tanto que têm um time de futebol que compete na Eurocopa e um código de telefone próprio (+258, enquanto a Dinamarca é +45). Foi através de algum feed na rede social que me apaixonei pelas paisagens mágicas dessas ilhas perdidas na latitude 62 norte, entre a Escócia e a Islândia.
Comecei a pensar em como vir até aqui e me deu preguiça. Poucos voos, aluguel de carro, poucos hotéis e clima imprevisível. Deixa pra lá. Até que vi uma revista de viagens dedicada às Faroe e não teve escapatória. Era vir ou vir. Desisti de fazer meu curso de alemão em Berlim e programei uma viagem pinga-pinga pela Europa, aproveitando para ver amigos que não visito há tempos.
No voo de Copenhagen para cá, que durou 1h50, estávamos bem avançados quando notei que o avião começou a dar uma volta (eu presto atenção nessas coisas) e logo o piloto se desculpou pelo desvio. Ao decolarmos, uma gaivota foi engolida pela turbina. Ele avisou a torre de comando e viu que não havia causado danos à aeronave (eu não senti nada, pois ela deve ter sido destruída em um milésimo de segundo, pobre gaivota), mas para o avião decolar novamente era preciso um aval de um técnico de aviação que o aeroporto daqui não tem. Isso só foi informado quase chegando aqui. Então, 1h20 de voo, meia volta, 1h20 de voo de volta a Copenhagen, e eu já morrendo de fome (a SAS só vende comida e o carrinho já tinha passado). Ficamos na pista esperando para ver se trocaríamos de avião ou se o voo seria cancelado. Puxei papo com meu vizinho de assento (na verdade, ele puxou papo comigo, sou muito tímido) e ele comentou que essas coisas de não conseguir chegar nas Ilhas Faroe são comuns, já que o clima aqui é imprevisível e há casos de o aeroporto ficar fechado por vários dias. Ha, ha, ha, fiz eu. Ainda bem que é verão. Já imaginou ficar ilhado?
Bem, o voo saiu, cheguei aqui com 5 horas de atraso e agora estou ilhado tentando voltar ao continente.
Dividi o táxi do aeroporto com um sueco, e dois russos entraram de lambuja nos bancos de trás da van. Os russos não estavam no nosso voo, mas haviam acabado de chegar no voo da Atlantic Airways, que milagrosamente conseguiu pousar, para o espanto de todos nós que ficamos sem voo. Quando chegamos na cidade, o sueco pegou a mochila dele no porta-malas e se foi, sem dar tchau nem pagar. Por sorte, o motorista viu minha cara de espanto e só fez eu assinar um papel com meu nome dizendo que iria cobrar diretamente da SAS. Acho que quem estava pagando a corrida, na verdade, era a empresa naval dos russos, e quem estava de carona era eu (e o sueco) e não eles.
Imaginem minha cara quando chego na recepção do hotel e meu nome não está na lista de passageiros da SAS. Eu, que esperei calmamente no guichê, que não gritei, não rodei a baiana (na verdade, ninguém deu piti à brasileira durante toda a crise no terminal), que vi o funcionário escrever meu nome, que tive que soletrar V-I-C-E-N-T-E. Desaparecido! A recepcionista, sabendo do rolo, logo me deu uma chave e mandou um e-mail para o aeroporto informando que tinham esquecido de mim ao passar a lista a limpo. Assim que entrei no quarto, sentei na escrivaninha, já que o sinal do Wi-Fi tinha pegado no celular e eu precisava atualizar meu Instagram e ver quem tinha curtido minha última postagem. Eis que, 15 minutos depois (como passa rápido o tempo nas redes sociais, né?), toca o telefone do quarto. Levei um susto. Ninguém sabia que eu estava aqui. Nem meu celular toca direito, vá lá um telefone de verdade. Atendi. Era a recepcionista avisando que meu nome tinha sumido da lista porque haviam me colocado no voo das 20h40. Quase chorei. Já não queria mais ir embora hoje. Estava cansado. Queria aproveitar o sol (sim, saiu sol aqui na capital enquanto os aviões desviavam do aeroporto nublado) para correr e queimar todo o pão que comi nesses dias, toda a sopa de gnocchi do almoço, a cerveja que bebi para ver se rolava um “relaxa e goza”… Mas fazer o quê? Melhor chegar em Estocolmo hoje do que amanhã à tarde. Me resignei. Avisei que não tinha nem feito xixi nem sentado na cama. O quarto estava virgem. Deixei minha mala num quartinho lá embaixo e fui passear para matar o tempo, afinal, ainda eram 17h.
Quando voltei para o hotel para pegar minha mala e chamar um táxi, a recepcionista, que a essa hora já tinha se tornado minha melhor amiga, falou: “Vincent, call for you!” Call para mim? Moi? Quem??? Era outra pessoa do aeroporto que pediu mil desculpas pela confusão, avisou que eu seria santificado tão logo chegasse na Suécia e que, no final das contas, era para eu ficar aqui hoje, pois meu voo foi alterado para amanhã. Mesmo horário. Mesmo local. E, pelo jeito, a mesma previsão do tempo.
Fui correr, dancei sozinho numa pista de corrida vendo a paisagem incrível das Ilhas Faroe. Relembrei os três dias incríveis que passei aqui. Agradeci muito por poder ter vindo para cá e fui comer sushi, já que o jantar incluído no pacote do hotel para os passageiros sem voo da SAS tinha sido servido às 17h30. Subi para o quarto, acendi o computador para escrever essa história e resolvi fazer uma extravagância. Abri a garrafinha de vinho tinto do minibar! Eu mereço! E com 187,5 ml de Cabernet Sauvignon francês na cabeça e um sol que não se põe nunca, me despeço de você.
Góða nátt.